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terça-feira, 25 de junho de 2013

As manifestações e a máscara do "V de Vingança"

Muito se viu, um tanto se falou sobre a máscara que manifestantes usavam nas passeatas pelo país nas últimas semanas. Alguns tuiteiros mais azedos de bate-pronto já apontaram até para a banalização do acessório. Diriam: "virou clichê".

Mas no mundo de informações rápidas, quantas coisas são repetidas sem reflexão? Quantas vezes nos deparamos com a mesma coisa sem que se saiba seu verdadeiro significado? Não seria injusto afirmar que muitos trajando a tal máscara, desconheciam totalmente sua origem. No entanto, buscarei a justa vendetta para aqueles que exibiam conscientes e orgulhoso o sorriso que surgiu bem antes que os emoticons se tornassem uma nova forma de expressão na linguagem digital. Minha lição de casa neste fim de semana foi reler a obra que levou a mania às ruas: a comic V de Vingança, do autor britânico Alan Moore.

Nâo entrarei na discussão da validade ou não de se cobrir o rosto durante uma manifestação política. Sobre isso também muita coisa já foi dita por aí. Meu objetivo é apenas tentar explicar e legitimar o "V" como um símbolo pop da indignação e, por isso, adequado à causa do momento.

O primeiro equívoco que li no Facebook, este que em breve poderá ser rebatizado como a Wikipedia universal dos equívocos, é a confusão entre a personagem "V" da  HQ e Guy Fawkes, um cara que viveu no início do século XVII e que inspirou o desenhista David Lloyd a criar a máscara do vingador anarquista. Fawkes foi um extremista católico que acabou preso porque, em um plano maluco, pretendia explodir o Parlamento inglês. Acabou delatado. Fora os traços do rosto e o uso de explosivos contra o poder, as coincidências entre as figuras terminam aí. Como me parece óbvio, no caso dos jovens manifestantes, a cultura pop exerceu muito mais influência do que a História britânica. Portanto, mantenho o foco na obra de Moore, finalizada em 1988, durante o terceiro mandato da Donzela de Ferro, defensora dos bons costumes e da moral Margaret Thatcher e que, inclusive, virou filme em 2006. Presumo que muitos conheçam a personagem apenas do cinema.

Antes de transcrever um parágrafo com as aspas do autor que por si só já valeriam a indicação de leitura, peço que esqueçam as imagens de amigos posers trajando o adereço. Vou listar bons motivos para defender a máscara do "V" que, no fundo, são correlações entre nossa atual realidade e o cenário fictício da trama ambientada na Inglaterra do fim dos anos 90, sem é claro, me estender pela narrativa e estragar sua leitura posterior.

Primeiro, "V de Vingança" mostra com tinta forte a letargia do povo frente a manipulação das instituições e da informação e como um baque na estrutura inevitavelmente traz ondas de violência e, principalmente, uma horda de aproveitadores que desejam tomar as rédeas da situação. Segundo, a relação de subserviência da mídia com a versão oficial, algo que se na Turquia da praça Taksim chega a níveis catastróficos, por aqui, onde a democracia é menos centralizada, acabou fazendo a Rede Globo como a grande - e única? - vilã novelesca da trama. No Brasil, os enfoques dos principais jornais e programas de TV deram uma virada e trouxeram à baila os exageros da polícia militar somente depois que as redes sociais insistiram em desmentir o que alguns veículos classificavam apenas como "repressão aos vândalos". Terceiro, Alan Moore, retorna a George Orwell e aponta o que o mais recente vazamento do governo Obama deixou respingar na agenda de temas públicos: a vigilância dos governos e das corporações da Internet.

A comparação também cabe na forma como a história conta, em meio a várias referências eruditas e pop, o soterramento da cultura e, principalmente, das grandes obras pelo "sistema", aquela entidade meio abstrata que o anarquista quer destruir e que é formada basicamente por seres humanos que controlam os governos e a vida da população. Em nosso país, cabe refletir sobre esse tema: quanto tempo (e dinheiro) foi e é gasto em troca de acusações entre partidários de um governo que domou a inflação e militantes de outro que foi capaz de gerar uma sutil mobilidade social enquanto do ponto de vista educacional e cultural ambos nada ou pouco fizeram em quase vinte anos?

Por último, abro alas para que o próprio Alan Moore contextualize sua obra em um cenário fascista, em meio a crise climática - que para ele aconteceu apenas depois de uma guerra nuclear - idealizado por ele e justifique o que, em tempos de tantas menções vazias, possui um significado relevante. Não um clichê banal. E se é caso de proibir o lugar comum, afirmo sem medo sobre as palavras abaixo que qualquer semelhança com algum teor de nossa realidade não é mera coincidência:

"Estamos em 1988 (...) um jornal tablóide acalenta a ideia de campos de concentração para pessoas com AIDS. Os soldados da tropa de choque usam visores negros, bem como seus cavalos; e suas unidades móveis têm câmeras rotativas instaladas no teto. O governo expressou o desejo de erradicar a homossexualidade até mesmo como conceito abstrato. Só posso especular sobre qual minoria será alvo dos próximos ataques (...).

Paro por aqui. Apenas recordo que estamos 25 anos a frente de quando a obra foi escrita.

Acho que vocês já entenderam.





terça-feira, 9 de abril de 2013

Sobre donzelas e damas de ferro.

Ouvi falar de Margaret Thatcher quando tinha uns 11 anos. Minha apresentação à líder política não foi das melhores.

Naqueles tempo, desenvolvia-me um ardoroso fã de Heavy Metal e do Iron Maiden.

Segundo lia nas revistas segmentadas da época, a Donzela de Ferro - tradução do grupo inglês e também alcunha de uma máquina de tortura medieval - e a Dama de Ferro - como era conhecida a primeira-ministra britânica - não se bicaram, a despeito das semelhanças dos nomes.

O motivo seria uma capa do single "Sanctuary" (foto), lançado em 1980, que projetava uma imagem da primeira-ministra deitada ao chão, golpeada de punhal pelo mascote Eddie após ela rasgar um cartaz que divulgava um concerto da banda. Há quem diga que a banda não simpatizava muito com o jeitão autoritário de Thatcher.

Apesar de ser facilmente encontrada hoje na web, a capa foi censurada na época.

Segundo rezam os fãs do Iron Maiden, a banda ainda faria mais uma provocação na capa do álbum Killers, na qual a "Dama de Ferro" não aparece, mas é, supostamente, outra vez a vítima fatal do monstrengo Eddie.

Se há uma marca inerente ao Iron Maiden é o conservadorismo. A estrutura de suas músicas permanece a mesma ao longo do tempo. Só que a dosagem conservadora de Thatcher foi tão alta quanto o incômodo barulho que uma banda de metal devia causar aos ouvidos daquela senhora.

Não tenho mais 11 anos, o Iron Maiden não faz tantas músicas legais como na década de 80 e meus motivos para não gostar de Margaret Thatcher cresceram.

Por isso, enquanto muitos manifestam sua nostalgia, órfãos da mãe do neoliberalismo ocidental,  transcrevo abaixo um texto que condensa boa parte das coisas que me provocam repulsa à Margaret Thatcher.

Curiosamente, palavras escritas por um roqueiro: Morrissey, que, se na música tem um som bem mais suave que o metal, nas palavras tem corrosão suficiente para destituir a boa imagem da Dama de Ferro.


Thatcher: um terror sem um átomo de humanidade

O cantor Morrissey, da banda seminal dos anos 80 The Smiths, reage à notícia da morte da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

The Daily Beast

Thatcher é lembrada como A Dama de Ferro porque só possuía traços completamente negativos, como a teimosia persistente e a recusa de ouvir aos outros.

Cada movimento que fazia era carregado de negatividade; ela destruiu a indústria manufatureira britânica, odiava os mineiros, odiava as artes, odiava os combatentes da liberdade irlandeses e permitiu que eles morressem, odiava os ingleses pobres e não fez nada para ajudá-los, odiava o Greenpeace e ambientalistas, foi a única líder política da Europa que se opôs a uma proibição do comércio de marfim,  não tinha nenhuma sagacidade e nenhum calor a ponto de seu próprio Gabinete demiti-la. Ela deu a ordem para explodir o Belgrano, mesmo estando fora da zona de exclusão das Malvinas - e navegando em direção oposta ao das Ilhas!  Quando os jovens argentinos a bordo do Belgrano sofreram  uma morte terrível e injusta, Thatcher fez sinal de positivo  para a imprensa britânica.

De ferro? Não. Bárbara? Sim.  Ela odiava feministas apesar de ter sido em grande parte devido ao avanço do movimento de mulheres que o povo britânico permitiu-se a aceitar que um primeiro-ministro pudesse  ser do sexo feminino. Mas por causa de Thatcher, pode ser que nunca mais haja uma outra mulher no poder na política britânica. Em vez de abrir a porta para outras mulheres, ela fechou.

Thatcher só será lembrada com carinho por sentimentalistas que não sofreram sob a sua liderança, mas a maioria dos trabalhadores britânicos já a esqueceu e as pessoas da Argentina devem estar celebrando sua morte. Os fatos mostram, sem sombra de dúvida, que Thatcher era um terror sem um átomo de humanidade.
Morrissey.


PS.: Vi esse texto publicado pela primeira vez no blog O Esquerdopata.