quinta-feira, 6 de junho de 2013

O último campeão francês de Roland Garros

Na última terça-feira, Jo-Wilfried Tsonga despachou o supercampeão Roger Federer das quartas-de-final com inquestionáveis 3 sets a 0.

Se chegar ao título, quebrará uma escrita de 30 anos sem que um francês fature o Grand Slam parisiense.

O último foi Yannick Noah em 1983.

Aliás, Noah é uma figura muito curiosa.

Quando estive na capital francesa, ele chamou minha atenção por uma sacada longe do esporte: sua versão de Redemption Song, de Bob Marley, que vi na TV. Era a única coisa boa em meio a coletânea de bobagens que são  a maioria das paradas de sucesso em qualquer lugar do mundo.

Não sabia que aquela figura de cabelos e nome afros havia sido um grande tenista no país da família Le Pen. Muito menos, do calibre de quem ganhou o mais importante torneio da França.

Mais: Noah, filho de um jogador de futebol camaronês, quando parou de jogar foi capitão da primeira vitória do time francês na Copa Davis e também na Fed Cup.

Depois de uma carreira de sucesso, o ex-tenista se aventurou pela música e não faz feio cantando.


Tem mais: seu filho (foto) com uma ex-miss sueca, é Joakim Noah, ala do Chicago Bulls, time eternizado na NBA por Michael Jordan.

Em 2008, Joakim foi detido nos EUA por beber na rua. Também encontraram maconha em seu bolso. Ao ser questionado pela imprensa em polvorosa, Yannick, que em outra oportunidade já admitira ter usado a erva, minimizou. Preferiu dar apoio ao jovem.

Ao contrário do célebre ator francês Gerrard Depardieu, Yannick Noah se posicionou a favor do aumento de impostos para os mais ricos na França. Segundo afirmou em entrevistas, o ex-tenista até retirou seu dinheiro da Suiça - onde não era taxado - e o levou de volta à França.

Para jornais franceses, afirmou que era preciso distribuir a renda do país.

De volta ao tênis e a 2013, Tsonga  pode ser mais um descendente de imigrantes a levar o nome da França ao topo do esporte. E por que não, trazer à memória dos mais jovens os feitos do seu antecessor Yannick Noah.

Atualização: infelizmente, Tsonga entrou pressionado como uma mola e pulou rapidinho fora da quadra depois de perder 3 sets para Ferrer. O mesmo aconteceu com o espanhol na final contra seu compatriota Rafael Nadal, o campeão dos campeões do torneio. 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Aprendendo com os erros

É difícil identificar que alguma coisa pode dar errado.

Mais difícil é bancar que alguma coisa que pode dar errado, vai dar errado.

Agora, o pior mesmo é não aprender com o que já deu errado.

Dias antes do primeiro jogo entre Corinthians e Boca Juniors, tentei estabelecer um diagnóstico, com doses de psicologia fuleira, ainda que com o nobre objetivo de levantar por que, dessa vez, meu faro de cachorro desconfiado apontava que o Corinthians precisaria ir muito além do que fizera ano passado para conquistar o bicampeonato da Libertadores.

Hoje, após a lição, não tiraria uma linha sequer exceto a última em que apostava: "o Corinthians passa pelo Boca". Fato semelhante como quando se preenche - entre coluna 1, 2 ou coluna do meio - corretamente toda a loteria esportiva e na hora de levar o prêmio, perde-se tudo justamente pelo time do coração.

Identifiquei que o caldo poderia azedar, mas custei a acreditar.

Coisa que já havia feito várias vezes. Mas não posso dizer que aprendi e que farei diferente da próxima vez. A única coisa que sei  é que ao colocar razão e emoção lado a lado, a última acaba por prevalecer.

São as lições nunca aprendidas que incomodam mais.

Quantas vezes deixamos de acreditar naquilo que deveríamos? Quanto insistimos crer naquilo que não vale à pena?

Desdenhei o ano todo do Campeonato Paulista e foi justamente ele quem devolveu o moral para o corinthiano. Desejei que o Paulista não atrapalhasse a Libertadores e foi ele que apaziguou o azedume da eliminação. O futebol sempre ensina.

Só não aposto que a Federação Paulista tenha aprendido dessa vez que é desgastante e desnecessário um campeonato tão longo, com uma fórmula que gera desinteresse na maior parte da competição e que, em última instância, contribui para minguar ainda mais o estadual.

Como é difícil aprender com erros.

Até hoje ninguém aprendeu, mas a Libertadores ensinou mais uma vez  que a América do Sul ainda está longe, em qualquer aspecto, de outros lugares do mundo. Escudos policiais para se bater escanteio, objetos atirados ao campo, catimba, violência, cusparadas. A Libertadores continua um torneio norteado por posturas cafajestes.

Também gostaria de crer que Carlos Amarilla aprendesse com seus erros ao assistir o VT do jogo entre Corinthians e Boca. Isso se eu tivesse absoluta convicção de que foram realmente erros. Mas ainda ninguém aprendeu que a escolha da arbitragem precisa ter critérios mais transparentes e a tecnologia pode ajudar a acabar com sintomas de amadorismo no futebol. E também com impedimentos mal marcados. E como gostaria de acreditar que as ameaças de punições da Conmebol não são mais um ato teatral no interminável jogo de cena dessa instituição.

Por último, gostaria muito de dizer que a torcida organizada, a polícia, os dirigentes e todos os demais envolvidos, aprenderam com o triste caso do menino Kevin, morto por um sinalizador. Mas, ontem, minutos antes do fim do jogo entre Corinthians e Santos, as luzes e a fumaça vindas da  mesma torcida corinthiana eram o claro sinal de que a lição não foi aprendida.

Mais uma vez.

segunda-feira, 29 de abril de 2013

Corinthians no divã: balanço psicológico antes do mata-mata

A fase mais legal da Libertadores vai começar.

O mata-mata é a parte mais divertida porque é justamente aquela que oferece as maiores emoções. É o momento da competição em que a pressão psicológica atinge o ápice para jogadores, treinadores, juízes e, claro, o torcedor. E nós gostamos da emoção porque ela mexe com nossas cabeças. Então, tentei entender justamente o que passa pela cabeça do torcedor corinthiano nesse momento que, certamente, vai proporcionar fortes emoções.

Essa é a primeira vez que o Corinthians vai para o mata-mata sem o peso de não possuir um título da competição. Se antes era preciso controlar o nervosismo e a pressão por uma taça, o desafio agora é evitar o relaxamento, o comodismo e, principalmente, aquilo que o jornal de hoje destaca como uma das preocupações do treinador Tite: a soberba.

Tem gente que talvez nem questione essa condição. A mim me parece bastante curioso. Resolvi colocar o Corinthians no divã, já que não é a primeira vez que vejo um paciente do futebol superar o complexo de vira-lata e, rapidamente, enfrentar o risco de cair em outra patologia: a síndrome da superioridade, batizada também por estudiosos de "mal de Ceni".

Histórico

A seleção brasileira foi um dos primeiros pacientes, ou melhor, times a serem diagnosticados com complexo de vira-lata. A conclusão se deu após a clamorosa derrota para o Uruguai em 1950. Porém, depois de conhecer o fundo do poço, vieram 3 títulos em 4 Copas (de 58 a 70) e a Seleção mergulhou em seu "complexo de superioridade" que a levou um estado letárgico profundo. Neste estado, acreditou que só a camisa amarela era capaz de jogar sozinha. Só voltou do coma em 94 ao assumir uma postura bem menos pretensiosa e ganhar a Copa nos EUA.  Nos pênaltis e com três volantes.

Corinthians

O Corinthians também passou por um evento traumático. Aliás, trauma na Libertadores nunca faltou. Dupla-eliminação para o Palmeiras, para o River, a maldição dos laterais e o vexame do Tolima. Todas essas altas doses de "inferiorismo" foram contra-golpeadas com o título invicto da competição, seguido por um Mundial no Japão e um time que se mantém no auge. E é justamente essa alternância de emoções que pode trilhar o caminho ao perigoso penhasco da soberba.

Os elevadores, corredores, ônibus, ruas e portarias de prédio são os divãs onde os corinthianos expõem suas preocupações. E o parecer geral é: no papel, o time melhorou em relação ao ano passado. Perdemos Leandro Castán, mas ganhamos Paulo André e Gil (grande surpresa). Saíram Liédson e Alex, mas trouxemos Guerrero - herói do Mundial e Alexandre Pato que, se ainda não mostrou tudo que se espera dele, tem estrela suficiente para fazer seus gols com constância de artilheiro. Melhor ainda. A exceção do goleiro, parece que o time possui um reserva confiável para cada posição. Mesmo assim, paira uma sensação comum: não há a mesma pegada do ano passado.

Os mais otimistas dirão que é uma acomodação natural de quem sabe a hora de acionar as turbinas ao máximo quando necessário. O mais desconfiado, por sua vez, pode pensar que os apagões podem aparecer em algum momento inoportuno e colocar tudo a perder. Tite, escaldado psicólogo da bola, trabalha para evitar a segunda hipótese.

Mas como toda questão psicológica, há sempre os fatores externos que desencadeiam o processo.
Então, saindo um pouco de olhar o próprio umbigo, vamos a eles:

1) O nível técnico dos outros times não é intimidador. Estava muito empolgado para assistir Atlético-MG e São Paulo, mas acabei decepcionado com o número de passes errados. A partida valeu mais pela emoção e correria. Tecnicamente, ficou devendo. O Galo é, sem dúvida, o melhor time da primeira fase, mas pode sofrer com a pressão de não chegar tinindo na hora decisiva, além do peso da "obrigação" de quem nunca venceu uma competição dessa. Por experiência própria, sabemos que o equilíbrio psicológico - ele outra vez - será fundamental. Esse não é um ponto forte do treinador Cuca.

Aliás, fala-se muito dos times brasileiros, mas tirante o Galo nenhum apresentou grande futebol. Arrisco a dizer que até agora o Fluminense é decepção pelo tanto que se badalou. O Corinthians fez o seu melhor jogo do ano contra o Tijuana no Pacaembu. Nos outros, entre alguns completamente atípicos como na Bolívia e México, levou em banho maria, com o regulamento debaixo do bigode. Tudo isso leva a crer que, entre os brasileiros, o Corinthians é um time arrumadinho como nenhum outro.

E como o costume da imprensa e, consequentemente, da torcida brasileira é ignorar a maioria dos times de fora, estar a frente de nossos compatriotas pode levar o imaginário do torcedor a uma condição mental de "consciência do favoritismo", fenômeno pelo qual o Barcelona tem passado e, por que não dizer, sofrendo nos últimos anos. Ressalva: não faço aqui uma comparação futebolística direta entre os times de Corinthians e Barcelona, apenas de situações. Enquanto Barça e Real se roíam para um eventual confronto direto, acabaram vítimas de um Bllitzkrieg sem precedentes por parte dos alemães.

2)  Muito ajuda quem não atrapalha. E o Paulistão, definitivamente não ajuda. Se não bastasse expor os principais jogadores ao desgaste antes de uma partida decisiva em La Bombonera, o campeonato paulista colocou Corinthians e Ponte Preta frente a frente outra vez. E a Macaca, que outrora, foi o portadora da mensagem salvadora que dizia: "troquem o goleiro!", agora foi atropelada e ignorada como se não houvesse mais qualquer lição a ser tirada.

3) Como terceiro fator, elenco aqui a questão que talvez esteja um pouco além de nossas cabeças: a parapsicologia. Antes do mata-mata, fiz diversas projeções para tentar prever o adversário do Corinthians nas oitavas. Emelec era favorito e até o Palmeiras poderia aparacer mas, rigorosamente, em  nenhuma delas surgia o Boca Juniors. Jamais contei que o limitadíssimo time do Tigre passasse. Ao saber que o vice-campeão do ano passado cruzaria nosso caminho logo de cara bateu uma ansiedade diferente. Para quem acredita em coincidências, a explicação é fácil embora o evento em questão possa conter, na verdade, um aviso cifrado dos deuses de que o futebol continua sendo o esporte do inesperado. Dito isso, reservo-me inclusive ao direito de não levar em consideração a atual fase do Boca.

Porque o fantasma do inesperado pode estar em um cruzamento desses. Ou no quique de um gramado sintético que colocou fim a 16 jogos de invencibilidade na competição. O inesperado é até capaz de tirar Messi de suas plenas condições na reta final de uma Liga das Campeões e fazer o favoritismo pender totalmente para o outro lado. O inesperado também pode contrariar a certeza de que um sistema de jogo vai sempre funcionar.

Ano passado, Tite ensinou que no confronto direto há três fatores decisivos: técnico, tático e psicológico. O psicológico me preocupava mais. Temia por aquilo que esperava: erros individuais, expulsões, descontrole e mais uma Libertadores indo pelo ralo. Agora, tecnicamente os times são nivelados, taticamente estamos um passo adiante e chutamos longe a sina derrotista. Mas o psicológico segue consternando. Preocupo-me com o que uma equipe planejada, experimentada e que já testou muitas variáveis pode, ainda, não ter encontrado. Imagino que Tite deve fundir a cachola imaginando todas as variáveis possíveis para que nada lhe escape do treino, da preparação. Mas é sabido como se comportam os donos da situação quando alguma coisa lhes foge ao controle.

4) Por último, pergunto: apontar que a soberba e o excesso de confiança merecem atenção não é justamente assumir a própria condição de superioridade?

Fim da sessão. Sobram hipóteses e faltam certezas. Futebol nem Freud explica. Ao torcedor corinthiano, o papo reto: o Corinthians deve saber que para chegar a final de uma competição como essa não basta ter vencido a anterior. Agora jogando bem e com a mesma vibração do ano passado, dá para deixar esse papo de soberba e apostar:  Corinthians passa pelo Boca e segue forte na competição.



terça-feira, 9 de abril de 2013

Sobre donzelas e damas de ferro.

Ouvi falar de Margaret Thatcher quando tinha uns 11 anos. Minha apresentação à líder política não foi das melhores.

Naqueles tempo, desenvolvia-me um ardoroso fã de Heavy Metal e do Iron Maiden.

Segundo lia nas revistas segmentadas da época, a Donzela de Ferro - tradução do grupo inglês e também alcunha de uma máquina de tortura medieval - e a Dama de Ferro - como era conhecida a primeira-ministra britânica - não se bicaram, a despeito das semelhanças dos nomes.

O motivo seria uma capa do single "Sanctuary" (foto), lançado em 1980, que projetava uma imagem da primeira-ministra deitada ao chão, golpeada de punhal pelo mascote Eddie após ela rasgar um cartaz que divulgava um concerto da banda. Há quem diga que a banda não simpatizava muito com o jeitão autoritário de Thatcher.

Apesar de ser facilmente encontrada hoje na web, a capa foi censurada na época.

Segundo rezam os fãs do Iron Maiden, a banda ainda faria mais uma provocação na capa do álbum Killers, na qual a "Dama de Ferro" não aparece, mas é, supostamente, outra vez a vítima fatal do monstrengo Eddie.

Se há uma marca inerente ao Iron Maiden é o conservadorismo. A estrutura de suas músicas permanece a mesma ao longo do tempo. Só que a dosagem conservadora de Thatcher foi tão alta quanto o incômodo barulho que uma banda de metal devia causar aos ouvidos daquela senhora.

Não tenho mais 11 anos, o Iron Maiden não faz tantas músicas legais como na década de 80 e meus motivos para não gostar de Margaret Thatcher cresceram.

Por isso, enquanto muitos manifestam sua nostalgia, órfãos da mãe do neoliberalismo ocidental,  transcrevo abaixo um texto que condensa boa parte das coisas que me provocam repulsa à Margaret Thatcher.

Curiosamente, palavras escritas por um roqueiro: Morrissey, que, se na música tem um som bem mais suave que o metal, nas palavras tem corrosão suficiente para destituir a boa imagem da Dama de Ferro.


Thatcher: um terror sem um átomo de humanidade

O cantor Morrissey, da banda seminal dos anos 80 The Smiths, reage à notícia da morte da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher.

The Daily Beast

Thatcher é lembrada como A Dama de Ferro porque só possuía traços completamente negativos, como a teimosia persistente e a recusa de ouvir aos outros.

Cada movimento que fazia era carregado de negatividade; ela destruiu a indústria manufatureira britânica, odiava os mineiros, odiava as artes, odiava os combatentes da liberdade irlandeses e permitiu que eles morressem, odiava os ingleses pobres e não fez nada para ajudá-los, odiava o Greenpeace e ambientalistas, foi a única líder política da Europa que se opôs a uma proibição do comércio de marfim,  não tinha nenhuma sagacidade e nenhum calor a ponto de seu próprio Gabinete demiti-la. Ela deu a ordem para explodir o Belgrano, mesmo estando fora da zona de exclusão das Malvinas - e navegando em direção oposta ao das Ilhas!  Quando os jovens argentinos a bordo do Belgrano sofreram  uma morte terrível e injusta, Thatcher fez sinal de positivo  para a imprensa britânica.

De ferro? Não. Bárbara? Sim.  Ela odiava feministas apesar de ter sido em grande parte devido ao avanço do movimento de mulheres que o povo britânico permitiu-se a aceitar que um primeiro-ministro pudesse  ser do sexo feminino. Mas por causa de Thatcher, pode ser que nunca mais haja uma outra mulher no poder na política britânica. Em vez de abrir a porta para outras mulheres, ela fechou.

Thatcher só será lembrada com carinho por sentimentalistas que não sofreram sob a sua liderança, mas a maioria dos trabalhadores britânicos já a esqueceu e as pessoas da Argentina devem estar celebrando sua morte. Os fatos mostram, sem sombra de dúvida, que Thatcher era um terror sem um átomo de humanidade.
Morrissey.


PS.: Vi esse texto publicado pela primeira vez no blog O Esquerdopata.





quarta-feira, 20 de março de 2013

Seleção brasileira e os oxímoros

Antes de qualquer coisa, é saudável esclarecer. Oxímoro não é uma doença que pode dar coceira na bunda dos jogadores e impedi-los de correr atrás da bola. Tampouco é uma substância química passível de punição no exame antidoping.

Atualmente, oxímoro tem a ver com algo bem menos compreendido do que patologias e substâncias químicas: a língua portuguesa. É aquilo que aprendemos no Ensino Médio como figura de linguagem - a metáfora, a hipérbole e o eufemismo também são.

É como se o oxímoro fosse um parente próximo da antítese e do paradoxo. Bem próximo deste último, o oxímoro permite que duas ideias, por mais opostas e excludentes que possam ser, coexistam. Por mais absurdo que pareça, o oxímoro autoriza dois elementos contraditórios conviverem, ainda que não de uma forma muito lógica, mas explicável. Camões era um craque nisso.

Mas há algum tempo, tenho notado que a despeito da falta de coerência, da lógica, da organização, da transparência e até mesmo de craques, em nossa seleção brasileira sobram oxímoros.

A começar por sua administração.

Enquanto a agenda política brasileira acompanha as apurações da Comissão Nacional da Verdade, que tem como nobre objetivo passar a limpo o obscuro período do regime militar no Brasil, o futebol, tão usado pela propaganda fardada, é presidido em sua instituição máxima - a CBF - por José Maria Marín, antigo fantoche biônico da ditadura.

Aliás, ele é o próprio oxímoro ambulante. No futebol, o atual presidente da CBF se tornou conhecido, não por algum trabalho em favor do esporte mas, principalmente, por um episódio em que predomina a total falta de mérito esportivo, quando flagrado embolsando uma medalha durante premiação da Copa São Paulo de Juniores em 2012.

Marin  recebeu de bom grado a atual posição para substituir o chefe anterior da entidade, Ricardo Teixeira, porque o ex-refugiado de Boca Ratón e ex-genro de João Havelange (no parentesco parece que vemos alguma consonância), se viu pressionado por alguns escândalos a tal ponto de pedir para sair após mais de duas décadas. E a substituição em si só seria um oxímoro se fosse com intenção de moralizar a administração da entidade. Contudo, isso é mais ou menos como colocar o Felipe Melo para evitar perder um volante porque o titular está pendurado com um cartão amarelo. A troca é só mais uma cena do paradoxo político que se encontra o país onde um político acusado de improbidades administrativas assume a Presidência do Senado. Eis que a frase "Brasil, um país sério" seria um bom exemplo de oxímoro, se não fosse também uma ironia. Ou um epitáfio.

E para não cansar o leitor com exemplos da política, não vamos sequer tocar no tema "estádios da Copa", fingindo que eles não existem. Ainda que, a rigor, a maioria deles não exista de fato.

Falemos, então, de futebol. Até agora, Marin tem como principal realização em seu cargo de chefe da entidade demitir o treinador Mano Menezes enquanto este passava seu melhor momento na Seleção e chamar, para dar continuidade a um processo de "renovação", o técnico que comandou o time campeão há 11 anos  e como coordenador e mentor dessa retomada, outro que fora vitorioso há mais de duas décadas.

Ambos reconhecidos pela escola de um futebol pouco vistoso e talvez até ultrapassados, contrapõem-se a tendência atual, na qual o clube do momento, o espetacular Barcelona, coleciona títulos com um futebol brilhante e cheio de magia. Entre as seleções, a Espanha e Alemanha são duas que também buscam a vitória por um futebol mais "à brasileira". Aliás, até a Itália, e isso é um baita oxímoro, tem remado contra sua tradição em busca de um jogo mais aberto e, vejam só, já há até uma real possibilidade de jogarem com dois atacantes contra a, tempos atrás, temida seleção brasileira.

Mas contradição é coisa para amadores e seleção brasileira é coisa para profissional. Até agora presenciamos um elenco reformulado principalmente por jogadores que o antigo treinador convocava. Inclusive, alguns nomes muito contestados como Hulk que, particularmente, acho um nome útil para o elenco.

Só que nessa profusão de oxímoros, a soma de tantas ideais opostas e contraditórias só poderia acabar na mais perfeita coerência e, mesmo fazendo tudo sem planejamento, de alguma forma o Brasil honra sua tradição e, claro, pode ganhar a Copa de 2014.

Agora, se isso vai ser bom mesmo para o país ou só mais um oxímoro, juro que não sei.


quarta-feira, 13 de março de 2013

Violência sobre rodas

Há algum tempo venho matutando - e protelando - para escrever algo sobre meu gosto de pedalar. Nesse período, alguns temas vieram à mente. Pensei em falar sobre o prazer de pedalar, o sentimento de liberdade ao rodar por diferentes bairros, parques e avenidas da cidade;pensei em tratar sobre as diferenças entre criar ciclofaixas de lazer e desenvolver uma estrutura de transporte urbano para bicicletas?; ou simplesmente escrever um manifesto pelo uso das  magrelas - alguém ainda chama as bikes assim? - como prática de esporte e, ao mesmo tempo, solução para um sistema de transporte completamente falido. Dava até para fazer um textinho sobre como elas servem até para o turismo, ao menos para quem aprecia desbravar pontos famosos das cidades sem a necessidade de parar o carro em estacionamento ou passar rápido sem observar com mais atenção.

Certamente há muito a se falar. Inclusive, há um assunto que preferia não escrever. Aquele que diz respeito à convivência entre bicicletas e veículos motorizados no trânsito. Uma discussão que volta e meia retorna ao mesmo ponto de partida, geralmente recomeçando com mais um caso trágico de ciclista atropelado e uma posterior divisão entre os defensores radicais dos pedais, os cicloativistas, e o cidadão comum, os quais vou levar em conta apenas os que tentam enxergar além do próprio para-brisa. O percurso é quase sempre o mesmo e, invariavelmente, chega-se pelo mesmo relativismo à constatação mais trivial: a estupidez existe atrás do volante do automóvel e também sobre o selim da bicicleta.

Por essas e outras, não queria me meter nessa trilha tortuosa temendo dar voltas inúteis e soar repetitivo. Até porque como alguém que gosta mais de pedalar do que dirigir, minha inclinação natural poderia ser apontar que o local mais fácil para se encontrar um imbecil na cidade grande é dentro de um automóvel. Principalmente, se for em um desses "utilitários" grandões, que em uma cidade na qual falta espaço, certamente devem ter alguma outra coisa útil que não seja o tamanho. Nem a truculência com que alguns trafegam.

Mas no último final de semana fiquei chocado como nunca. Oura vez, um ciclista foi atropelado na Avenida Paulista, onde frequentemente gosto de passear. Mas, confesso: evito pedalar ali porque não vejo condições mínimas de segurança. É verdade que dessa vez o ciclista não morreu. Mas em virtude do choque brutal contra o automóvel, seu braço foi decepado pelo impacto e acabou preso ao veículo. Sem prestar socorro á vítima, o motorista do carro fugiu e se desfez do braço jogando-o em um córrego.

Se não fosse mais uma produção melancólica da vida real em São Paulo, o enredo passaria sem sobressaltos por uma cena de Mad Max, um dos filmes violentos de Mel Gibson que mostra o mundo em disputa sangrenta após a devastação completa pela guerra. É o trânsito de São Paulo cada vez mais parecido com a "cúpula do trovão", onde só um chegará vivo ao seu destino.  

O carro, menos do que um meio de transporte, é cada vez mais símbolo de um plano urbanístico fracassado. Peça de um sistema de transporte em colapso. Paradoxalmente, cada vez mais confortáveis, espaçosos e conectados à tecnologia, no dia a dia duro da cidade grande os automóveis são reduzidos a meros entulhos de lata enfileirados, gerando dezenas ou centenas de milhões de horas improdutivas que contrariam a própria noção capitalista que os sustenta e os estabeleceu na cultura como símbolo de sucesso, ostentação e potência. Inclusive a sexual. Na realidade fora das propagandas, carros hoje podem ser vistos também como desperdício de tempo, de paciência e de saúde.

Mas como todo sistema de rodas e engrenagem mais complexo, a tensão na convivência do trânsito vai além da singela dicotomia carro-bicicleta. E é por isso que não adianta nenhum dos lados partir para o confronto. Como ensinou o escritor americano Stephen Crane, definitivamente não há glórias na guerra, apenas uma mancha de sangue. E nessa guerra civil do trânsito, que infelizmente parece já ter começado, as armas estão postas sobre rodas. Justamente a roda, invenção do homem que marca um dos pontos de partida em direção à civilização e ao conhecimento, se tornou o epicentro de uma discussão que gira em círculos sem chegar a uma solução. Vil ironia, é sobre as rodas que o ser humano comete suas mais estúpidas barbáries. Sobre rodas ele nega sua própria evolução.

Mas como um adepto das voltas de bike (não me acostumo a grafar assim, mas vá lá), achei que poderia escrever para tentar ao menos encontrar algumas explicações. Pedalando semanalmente nos últimos anos, tenho notado alguns fatos que podem dar evidências sobre o real problema - veja bem, não é uma pesquisa, apenas percepção.

Sinto que há um aumento dos motoristas de automóveis que respeitam o espaço do ciclista. Alguns até oferecem prioridade na passagem e ultrapassam com cuidado, atentando-se a uma distância segura. Sinceramente, acredito que há uma parcela que parece disposta a "aceitar" a divisão da via pública. Essa é a boa notícia.

Por outro lado, nas ciclofaixas e nos parques, justamente onde há uma proposta clara de lazer, percebo um aumento considerável de ciclistas mal educados, transportando para o pedal os mesmos sintomas e vícios que já estamos calejados de ver sobre quatro rodas. Em lugares onde se poderia reinar a tranquilidade, não é difícil se deparar com um ciclista energúmeno. Para chegar sabe-se lá onde mais rápido, faz ultrapassagens e manobras arriscadas e coloca em risco seus pares. Muitas vezes ignoram até crianças em suas bicicletas com rodinhas.

Como sou também um pedestre assíduo, outras cenas desse tipo não me escapam. Ciclistas também atropelam as regras de trânsito e do bom senso ao andar em alta velocidade sobre calçadas cheias de passantes; enfrentam a contra-mão de vias principais expondo ainda mais a própria fragilidade ou, ainda, atrapalham outros ciclistas que tentam, por sua própria segurança, seguir o fluxo normal como sugere o código de trânsito. Sobre uma bicicleta, alguns ameaçam  pedestres da mesma forma que talvez fariam com outros ciclistas se estivessem em um carro.

Ah, e a pressa e a impaciência transcorrem exatamente como no trânsito "tradicional". Posso estar exagerando, mas até as quedas parecem aumentar desde a primeira vez que percorri uma dessas ciclofaixas e, em pouco tempo, não me estranharia se as desavenças - com ou sem palavrões, indo ou não às vias de fato,-  começassem a surgir a cada nova barbeiragem ciclística.

Por isso, a ferrugem que corrói  continuamente a estrutura da convivência pacífica não está somente em quem anda de carro. Tampouco só nos ciclistas (ou nos cicloativistas). Não podemos levar adiante o tema como uma luta de classes. Admito que talvez não tenha todas as respostas para dar visão a quem dirige com olhos vendados pelo individualismo exacerbado ou simples ignorância.

Só não quero ficar parado no meio da pista. Acredito que a redução de carros nas ruas tornará o sistema de transporte melhor, deverá diminuir os dados trágicos e, quem sabe, abrir espaço para um sistema de transporte menos estressante. E  muita gente também já se deu conta sobre a inviabilidade dos carros e, por isso, está tentando se adaptar a uma bicicleta - que bom! Logo, o tráfego delas tende a crescer cada vez mais e será preciso fazer esse contingente entender que ciclistas também precisam cumprir suas obrigações. Seja para não prejudicar aqueles que andam a pé, seja para ter consciência de sua fragilidade frente aos seus colegas de lata e aço e a importância do uso de certos equipamentos e do respeito a algumas regras de segurança.


E nesse momento, luz amarela, sinto desapontar o leitor porque após andar todo esse caminho, posso chegar a um lugar comum. Isso porque minha conclusão é de que o caminho mais curto para civilizar nosso trânsito está de novo naquela via tão pouco cuidada da sociedade brasileira: a educação.

Quem sabe falando das diferenças dos direitos e deveres de carros, bicicletas e pedestres desde a escola infantil. Quem sabe com campanhas na Internet, na TV, nos parques, nas ciclofaixas e onde mais for necessário. Quem sabe com mais fiscalização e orientação para quem comete abusos dentro dos carros ou em cima das bicicletas.

Um bom começo já seria ver não apenas ciclistas protestando quando alguém sobre uma bicicleta é atingido. Afinal, muita gente ainda finge que um ciclista atropelado não lhe diz respeito. Todos somos vítimas de um trânsito violento e mesmo aqueles que nunca sentaram a bunda em um selim precisam se comover, se indignar e se for o caso, andar pelados juntos aos ciclistas nas ruas da cidade. Do seu lado, os ciclistas também podem começar a ensinar seus colegas sobre duas rodas como se comportar de maneira menos desorganizada nas ruas, calçadas e ciclovias.

Certamente há uma longa estrada pela frente. Só não dá mais para ver tanta gente morrendo sobre rodas e nada sair do lugar.


sexta-feira, 1 de março de 2013

Fragmentos de Oruro

O que não faltam em tempos de redes sociais é opinião. A sabedoria popular ensinou que assim como a bunda, todo mundo tem a sua própria opinião. A diferença é que no Brasil para mostrar o traseiro ainda somos conservadores, quando deveríamos ter muito mais pudor na hora de manifestar certas opiniões.

Antes de cair na armadilha e exibir a minha própria retaguarda, mais uma entre tantas já expostas na janela digital, pretendo fazer algo um pouco mais discreto em relação à discussão Oruro, sinalizador e Corinthians.

Já que é impossível impedir que os fragmentos da tragédia a essa altura já tenham se espalhados em diferentes lugares e que certas barbaridades já tenham sido registradas, depois de observar com alguma dedicação, tentarei dividir essa enorme discussão em partes e, de alguma forma, ajudar a quem quiser emitir o seu próprio parecer, ou, em último caso, filtrar algumas partes da discussão que não valem o tempo gasto para que outras pessoas ainda possam entrar nessa discussão que não deverá terminar tão cedo.

O principal engano ao se debater esse tema é misturar as coisas. Primeiro, é preciso separarmos fatos de opiniões e, principalmente, de crenças, achismos e preconceitos. E como falamos de futebol, é obrigatório também tentar se distanciar da paixão. 

Acompanhei com atenção os comentários após a partida na Bolívia. Quando o sinalizador se chocou contra o menino Kevin, é como se o feixe de luz do artefato, além de provocar dor e comoção, liberou alguns  ratos de bueiro armados com palavras de ordem e veredictos pessoais sobre o caso.

Quero crer que um dia, o tal sinalizador possa ser visto como símbolo de um pedido de socorro feito pelos deuses do futebol. Um clamor por um resgate das profundezas da cartolagem sul-americana. Quem sabe um dia. Por enquanto, é apenas o estopim de uma lamentável fatalidade que acabou mostrando, mais uma vez, os grotescos modos do ser humano ao tratar (e opinar) sobre sua própria inviabilidade.

Retomando o objetivo desse texto, é importante dividir as partes que constituem o emaranhado de discussões porque elas se confundem e confundem imprensa e opinião pública. Muito por conta desse nó é que nos perdemos e nos saltam às telas dos televisores e computadores cronistas esportivos com palavras de ordem, às vezes com pose de justiceiros implacáveis; ou "cidadãos de bem" que descarregam seus preconceitos, revanchismos, ódios e outros sentimentos podres; ou até mesmo os casos menos patológicos, mais propensos à ingenuidade de quem muitas vezes não está acostumado a enxergar por trás da cortina do futebol; e, claro, aqueles que sempre demonstram como o ser humano é um animal  eminentemente egoísta, que no momento de uma grande crise enxerga apenas a própria bunda. Ou no caso, escuta apenas a própria opinião.

Basicamente, desde o fatídico disparo do sinalizador, entraram em pauta três áreas diferentes que acomodam  questões controversas: a esportiva, política e criminal. Não me considero especialista em nenhuma delas, mas acho que posso tentar acomodar cada qual no seu devido lugar. Ao menos pra mim, essa divisão ajudou na compreensão do caso e até na construção da minha própria opinião.
  

I. Esporte
O primeiro ramo da discórdia é o esportivo, geralmente ligado àquilo que envolve a punição ou não ao Corinthians (e, consequentemente, a outros clubes que descumprirem o regulamento do torneio). Não me estenderei sobre qual penso ser o castigo ideal.Se é que há algum. Apenas acredito ser justo aplicá-lo ao clube. Afinal, não há como negar a existência de um desastre causado pela ação de um torcedor que representa duas instituições - torcida e clube, na qual existe uma situação clara em que uma entidade se relaciona de forma próxima e até colaborativa com a outra.

Aqui é muito comum  alguém levantar o tom: "mas tem que punir quem soltou o sinalizador eu não soltei então não posso deixar de ver meu time por isso". Calma, uma coisa é a punição esportiva, que está ligada ao regulamento da competição, outra é a criminal que diz respeito ao Código Penal.

Ao meu ver, ao Corinthians cabe acatar a punição com dignidade, e, se possível, encampar um movimento sério para que novas punições sejam aplicadas - não somente nos casos com vítimas fatais - e que o esporte evolua a um patamar  menos belicoso na América do Sul. Não adianta achar que tudo mudará de uma hora para outra. Mas é preciso uma postura firme para criar mecanismos e evitar que certos indivíduos e mentalidades sequer passem perto de um estádio de futebol. Opa, já comecei a dar opinião. Voltemos.

Nessa primeira parte da discussão, é bom filtrar os aproveitadores em primeiro grau - aliás, fuja deles! Para esses, a punição só é justa e deve existir quando aplicada contra o clube do outro. São tão rasos que no primeiro nível de algo tão complexo já se escorregam ao colocar  uma discussão que envolve vidas humanas apenas em nível do campo de futebol. Talvez eles tenham dificuldade também para distinguir a grama da bola.

Um outro exemplo que se deve evitar são os míopes, com dificuldade de enxergar pouco mais a frente. Basta mencionar os quatro patetas que buscaram reverter uma punição esportiva na Justiça comum, como se a questão mais relevante dessa tragédia fosse o direito do consumidor. Vesgos de tanto olhar para o próprio umbigo, não puderam ver um palmo a frente do nariz, nem o fato de que até poderiam ter prejudicado aquilo que dizem tanto amar, o Corinthians. 


II. Política
Aqui o personagem central é a entidade (des)organizadora: a sempre letárgica Conmebol, Uma gestora que nunca tomou medidas enérgicas para evitar o flerte constante com desastres, mas que dessa vez não pode mais continuar inerte. Fazendo jus às tradições das confederações do futebol mundial, há tempos vive às voltas com suspeitas e denúncias de corrupção e é comandada por um tiozinho - Sr. Nicolas Leoz - que apesar de ter a mesma idade do ex-Papa Ratzinger não parece ter a mesma disposição em descalçar os sapatos vermelhos e pedir para sair.

Ao contrário do que muitos alegam - e aqui vale um novo filtro a algumas opiniões - a incompetência e passividade da Conmebol não atenua, muito menos exime a responsabilidade da clube e da torcida  pela dor da família boliviana. Não se pode contestar a punição esportiva devido aos passos tortos da Conmebol pela política do esporte.

Esse caso abre uma possibilidade - talvez única - de mudança nas estruturas dessa instituição que permanece desde os anos 60 em transe no que diz respeito a organização de seus torneios. A ferida aberta poderá ser benéfica para todos os clubes e fãs do futebol ao longo das próximas décadas. E certamente não é o caso de se deter apenas ao campeonato desse ano.

No âmbito político, não é possível nos dias de hoje aceitar que rivalidades entre os clubes brasileiros os impeçam de formar uma espécie de grupo que cobre da Confederação Sul-Americana punições e, principalmente, condições para se jogar e organizar partidas de futebol sem risco à integridade de atletas e torcedores. Meu lado otimista ainda crê na possibilidade de que uma tragédia como essa possa servir  de exemplo para uma virada na reabilitação da Copa Libertadores e do  futebol do continente.

Agora, se tudo correr como sempre, veremos mais uma tabelinha entre cartolas que olham para um lado e correm para outro. Uma jogada ensaiada só para parecer que as coisas mudarão de uma vez por todas. Não se pode aceitar que o Corinthians seja punido, expiando a culpa aos olhos do mundo, mas que tudo continue como antes e os donos do poder sigam tocando a bola de lado.

Por isso, é de se esperar que o Corinthinas tenha altivez ao lidar com a punição esportiva que alguns torcedores não tiveram e aproveite (de preferência, com o apoio dos clubes brasileiros) para abrir espaço na política. Quem sabe não é hora de liderar uma campanha de moralização.

Todo cuidado é pouco para evitar atitudes que apenas engrossem a fila de palhaços que povoam o circo da cartolagem do futebol na América do Sul.

III. Criminal
Esse ponto certamente é o mais sensível à questão humana. Nele, alguém deverá ser julgado por ter sido o agente do desastre que matou um garoto. Triste.

Aqui também não vou me alongar em discutir as suposições convenientes para quem quer que seja e que se possa beneficiar de um menor assumindo essa culpa. A primeira vista, é conveniente demais. Porém, o mais absurdo da história é ela ser perfeitamente factível em um contexto com total desapego de valores esportivos e de convivência humana.

Aliás, quando o assunto segue para a área criminal, é imprescindível fugir de alguns teóricos sobre a "maldade inerente dos torcedores organizados", "banditismo na periferia" e até um neodetermininsmo em que  se buscam apontar alguns moldes de seres humanos.

Por não identificar as diferentes áreas que a tragédia expôs, ou até para reduzir a tragédia em apenas um ato, muitos preferem embutir as responsabilidades do desporto e da política no indivíduo que disparou o sinalizador e que, na verdade, deverá ser julgado criminalmente.

Como não sou jurista e tampouco sei que o se passava nos momentos antes ao disparo do sinalizador, não quero entrar no mérito da intenção ou não, mas me reservo ao direito de criticar quem parte do princípio do dolo utilizando como argumento algumas teorias e inclinações mencionadas acima. Geralmente, esses são os mais cheios de certeza e, portanto, os que mais falam bobagens.

É bom lembrar que a busca em aliviar a dor ou aplacar a raiva causada por uma tragédia  em uma única pessoa não apaga o que já aconteceu e também não impede o surgimento de novas tragédias. Aplicar uma pena desproporcional sobre quem disparou o sinalizador não resolverá as questões políticas e esportivas que permeiam essa discussão e que podem provocar novos desastres em um futuro não tão distante.